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A solidão do fracasso - por Marco Aurélio Cremasco

17 set 2016 às 09:29
Foto de Marco Aurélio Cremasco - Acervo do escritor -
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Não se bebe para escrever. Bebe-se devido ao vício, pois a escrita é o pior deles: detona o resto. Livro publicado. Teses acadêmicas defendidas sobre tal obra na medida exata em que exemplares mofaram nos porões da editora.


Livro que não vende é livro fracassado – diria o editor. – Deve-se circular com desenvoltura por aí: ministrar oficinas, participar de eventos literários, abrir mão de sua profissão e, quiçá, de suas relações mais pessoais – continuaria o editor. – O autor precisa pensar em performance; enjaular-se em uma cela de cristal para lançar e divulgar a sua obra, tendo um Nobel como vassalo a trazer-lhe docinhos e beijar-lhes os pés. Não é maravilhoso?

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Não importa o que escreve venha a ser pastiche de grandes mestres. Você é o produto. Quem se importa com a Literatura? Quem? Você faz parte de turminhas? Cria polêmicas? Você é uma gracinha de criatura? Concorda com tudo e com todos e sempre está disponível para discutir o impacto da crise contemporânea que avassala a criatividade pós-moderna? Ganhou ou foi indicado a qualquer prêmio que possa trazer feito piercing no nariz? Fez cinema, tevê, teatro ou é político, cantor, crítico, empresário renomado?

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Filho, domine a arte de falar em público e cative plateias. Lance perfume com o seu nome. Contrate alguém para enviar e-mails às redações e sites de relacionamento para propagar o quanto você é cult, sex, punk, dez, antenado. Este alguém, óbvio, é você mesmo adornado por pseudônimo tirado da obra de J. M. Coetzee.

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Crie um personagem de si próprio. Dedique-se mais ao marketing pessoal do que à escrita. Isso é o "sucesso". Sucesso de público com milhares de exemplares vendidos de um livro sobre suspense policial erudito ou a respeito de sua vida abarrotada de infortúnios e pitada de sexo. Sucexo!


Caso contrário, de escritor promissor passará a coadjuvante dos próprios sonhos. Qual a saída? Bebida. Enfurnou-se nela para escrever outra ficção. Algo ambientado em Portugal, século quatorze, envolvendo a doidice de Pedro, o cru. Enviou o original à editora. Dois anos transcorridos para, então, receber a resposta do editor, após prólogo amistoso e desculpas sobre o tempo e quantidade de material a ser analisado.

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– Conversamos muito sobre o seu livro em nosso conselho editorial e, creia-me, foi uma decisão difícil, pois, além de ser autor da casa, você escreve muito bem. Apesar de termos apreciado o seu livro, não iremos publicá-lo. Tem sido difícil trabalhar com este tipo de literatura na mídia e nas livrarias. Além disso, os livros são como vacas leiteiras mantidas no pasto, engordando; isso se produzirem. Do contrário, viram gado de corte para nos dar carne fresca e retorno imediato. Não trabalhamos com a pessoa, mas com o produto acabado. Temos carinho por você, no entanto é mais outro gado de corte. Leite, meu filho, leite. Não adianta escrever caso não tenha quem o deleite. Não interessa se é ou não bem recebido pela crítica ou se é um cara interessante que será descoberto no século 23. De qualquer forma, agradeço o envio do original e espero ter o prazer em conhecê-lo pessoalmente para um café.


Cachaça. Muita. Encontraram-no colapsado em uma quitinete. Os olhos, talvez o espírito, não mais o orbitavam. O corpo continuava intacto, exalando cadeverina. Perto da boca esfolada garrafas de Boazinha. Sobre o corpo manuscritos preparados a uma editora fictícia; emails escritos dele para ele mesmo e sempre finalizados na base do – Boa sorte com os livros. Livros, por sinal, jamais escritos.


Marco Aurélio Cremasco
(Texto publicado no O DIÁRIO DO NORTE DO PARANÁ -Terça-feira, 13 de setembro de 2016)
Publicado no blog do Bonde Falando de Literatura de Isabel Furini com autorização do autor.


Foto de  Marco Aurélio Cremasco - Acervo do escritor
Foto de Marco Aurélio Cremasco - Acervo do escritor

Marco Aurélio Cremasco é natural de Guaraci, Paraná, e reside em Campinas, SP. É autor de três livros técnicos; do romance Santo Reis da Luz Divina (Record, 2004), do livro de contos Histórias prováveis (Record, 2007), das coletâneas de poemas Vampisales (Editora da UEM, 1984), Viola caipira (Edição do autor, 1995), A criação (Cone Sul, 1997), fromIndiana (Edição do autor, 2000) e As coisas de João Flores (Patuá, 2014). Atualmente é membro do Conselho Editorial da Editora da Unicamp e colunista no jornal O Diário do Norte do Paraná, Maringá.


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