Espécie de pedra angular da balança comercial entre os dois países, a exportação de automóveis da Argentina rumo ao Brasil sente os impactos da greve dos servidores do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis).
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A Adefa (Associação de Fabricantes de Automóveis argentina) calcula que 18 mil veículos estejam parados em portos brasileiros aguardando a certificação do órgão, etapa fundamental da exportação, segundo o levantamento mais recente, compartilhado com a Folha de S.Paulo.
Diretor-executivo da associação, Fernando Rodríguez Canedo diz que o empresariado local ainda não sentiu no bolso possíveis consequências da trava no processo, mas teme ser forçado a descumprir prazos ligados à lei penal cambiária argentina, que dita as regras.
O setor tem 60 dias desde o momento que os automóveis deixam o solo argentino para enviar ao país os ganhos com a exportação.
Antes, a certificação do Ibama, que permite que carros sejam comercializados no mercado brasileiro, chegava em cerca de 20 dias.
Agora, afirma Rodríguez Canedo, o tempo varia de 45 a 50 dias. A associação diz temer que esse prazo se alargue e se aproxime dos 60 dias para cumprir o regramento local de exportações sem estar sujeito a multas ou sanções.
O tema permeia as conversas entre Brasília e Buenos Aires nestes meses de início de relação entre o presidente argentino, o ultraliberal Javier Milei, e o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
A despeito das divergências ideológicas, a avaliação de interlocutores de ambos os lados é de que há grande apetite do empresariado, notadamente o brasileiro, no que diz respeito ao gás da região argentina de Vaca Muerta, uma das apostas para os próximos anos.
O atraso nas licenças de importação conferidas pelo Ibama tem afetado a exportação de carros híbridos e elétricos de diversos países -China entre eles. Seriam ao menos 60 mil automóveis de várias origens (incluindo os 18 mil argentinos) em áreas portuárias do Brasil aguardando a certificação, afirmou a associação dos servidores ambientais à reportagem.
O peso observado do lado argentino está relacionado, assim, à importância do Brasil para o seu setor automotivo.
Ao longo de todo 2023, mais de 207 mil veículos foram exportados ao Brasil, fazendo do país o representante de 63% das exportações de automóveis argentinos. Em comparação, outros países da vizinhança têm fatias nanicas, como Chile (6,8%) e Peru (6%).
Mais: são os automóveis, tanto os voltados para transporte de carga quanto os comuns, para passageiros, a maior parte das exportações anuais da Argentina para o Brasil. Ao longo do ano passado, quando as exportações somaram US$ 11,8 bilhões (cerca de R$ 59,4 bilhões), os automóveis corresponderam a pelo menos 27,5% do todo (mais de US$ 3,2 bilhões), seguidos pelo trigo (mais de US$ 800 milhões), quase 7%.
Esse é um dos fatores que fazem do Brasil o líder no ranking de exportações argentinas, seguido respectivamente por Estados Unidos, China, Chile e Peru, segundo dados atualizados do Indec (Instituto Nacional de Estatística e Censos) da Argentina.
O movimento inverso também é importante.
Segundo dados de 2022 da Adefa, o Brasil foi origem de quase 80% dos carros importados pela Argentina. Os dados de 2023 ainda não estão disponíveis, mas devem ser menores, dado o crescimento a galope das importações chinesas.
"Temos uma política automotriz comum desde 1994, o que faz da nossa relação com o Brasil algo fundamental", diz Rodríguez Canedo.
"A Argentina se especializou em alguns modelos e complementa isso, do ponto de vista industrial e comercial, com o Brasil. Não dá para imaginar uma indústria argentina não harmonizada com a brasileira."
O diretor-executivo da Adefa, no entanto, defende que o momento propicia debates sobre como afinar esse mercado comum. "Por exemplo, tirar travas como essa do Ibama, que observamos agora. Se um veículo já foi validado na Argentina, por normas locais, ele não deveria ter de passar pelo mesmo processo de validação no Brasil."
A licença de importação em pauta comprova que o Ibama está ciente da entrada desses produtos no território nacional, atestando que os veículos estão de acordo com as regras ambientais vigentes no Brasil.
Servidores do Ibama estão em greve desde a primeira semana de janeiro. Eles pleiteiam que o atual governo coloque em prática um reajuste salarial para retomar as atividades em campo e também promova concursos.
Cleberson "Binho" Zavaski, presidente da associação dos servidores ambientais, afirma que, dos atuais 2.800 funcionários que compõem o Ibama, mil se aposentarão até o final do próximo ano.
Ele também menciona ampla evasão desses quadros. "Mais de 20% daqueles que entraram nos últimos três anos no Ibama e no ICMBio [Instituto Chico Mendes de Conservação e Biodiversidade] já saíram, muitos rumo à iniciativa privada."
"Nós estamos nessa mobilização desde o dia 2 de janeiro e, como não houve até o momento uma contraproposta do governo que atenda minimamente às reivindicações dos servidores, é possível que isso vá se desenrolar por mais algum tempo", diz.