Um carro completamente silencioso, movido a eletricidade, capaz de percorrer quase 600 quilômetros sem precisar reabastecer e que solta vapor d'água pelo escapamento.
Esse é o Toyota Mirai, veículo que foi emprestado para os testes de um projeto-piloto na USP (Universidade de São Paulo) que vai produzir o primeiro hidrogênio verde a base de etanol do mundo.
Leia mais:
Encontro de carros antigos e rebaixados acontece neste domingo em Londrina
Vai viajar no fim do ano? Veja itens obrigatórios e essenciais para uma viagem tranquila
Motocicletas se multiplicam sob o olhar mais atento da política
Acidentes com motos sobrecarregam o SUS e levam a perda de mobilidade, amputação e dor crônica
Mirai significa "futuro" em japonês, mas, apesar de sugestivo, a escolha do carro não tem nada a ver com o nome, e sim com o fato de ele ser um dos únicos modelos equipados com células de combustível (fuel cell, em inglês), que transforma hidrogênio em eletricidade.
No Brasil, por exemplo, só existem duas unidades do Mirai: uma que fica com a Toyota, e esta que integra o projeto da USP.
A Folha andou no veículo para conhecer a iniciativa, que está sendo desenvolvida em parceria com a Shell, Raízen, Toyota, Senai e Hytron.
A reportagem percorreu um pequeno trajeto dentro da universidade, no Butantã (zone oeste de São Paulo). Por enquanto, o carro é abastecido com hidrogênio comum. As primeiras voltas com o produto a base de etanol devem acontecer só em meados de 2024, quando a planta piloto - atualmente em construção - estará apta a produzir os primeiros quilos do combustível sustentável.
O hidrogênio verde leva esse nome por ser feito a partir de fontes renováveis, diferentemente da versão comum que tem origem fóssil, principalmente gás natural.
Atualmente, o método de produção mais usado é a partir da quebra da molécula de água por meio de energia solar ou eólica. O objetivo do projeto-piloto da USP é desenvolver uma nova forma, tendo o etanol como fonte.
O hidrogênio verde ganhou centralidade no debate climático devido a seu potencial para descarbonizar setores como transportes, siderurgia, indústria química e a própria geração de energia elétrica.
No entanto, transportar o combustível ainda é desafiador, pois exige que o armazenamento seja feito em baixas temperaturas e alta pressão, dificultando a logística e encarecendo o produto final.
Uma das grandes apostas do projeto da USP é conseguir superar essa barreira. Isso porque o etanol já conta com uma infraestrutura consolidada no Brasil, é transportado de forma relativamente simples e com uma malha de distribuição extensa.
A planta-piloto, cujas obras começaram em agosto deste ano, funcionará como uma estação de abastecimento. Lá haverá um equipamento chamado reformador, que é o coração do projeto.
O reformador é capaz de transformar o etanol em hidrogênio por meio de reações químicas. Hoje em dia, esse processo já consegue ser realizado, mas em escala de laboratório. A ideia é amadurecer a tecnologia para aumentar o volume e permitir que a produção ocorra no local onde o combustível será usado - dentro de um posto de gasolina, por exemplo.
O hidrogênio verde produzido na USP será utilizado para movimentar o Toyota Mirai e mais três ônibus nos testes.
O etanol é considerado um trunfo pelos pesquisadores. Primeiro porque o Brasil é uma potência nesse mercado, mas também pela capacidade de fazer um hidrogênio verde negativo em carbono - considerando a absorção que ocorre nas lavouras de cana e milho pela fotossíntese.
Mateus Lopes, diretor de transição energética e investimentos da Raízen, afirma que todos os países estão desenhando estratégias de transição energética baseadas em suas vantagens competitivas, naturais e econômicas. Como o Brasil é uma potência agrícola, transformar o etanol num vetor desse combustível tão cobiçado pelo mundo pode dar ao país uma boa posição.
"Olhamos Estados Unidos, Europa, Japão como futuros mercados para esse hidrogênio. Isso abre uma porta muito grande em termos de mercado para o etanol brasileiro", diz Lopes.
Julio Meneghini, diretor-geral do RCGI (Centro de Pesquisa para Inovação em Gases de Efeito Estufa) da USP, explica como é o funcionamento do carro.
O hidrogênio verde alimenta uma célula de combustível, que também usa o oxigênio do ar para produzir eletricidade e movimentar o veículo. Pelo escapamento, nenhum poluente é emitido, apenas vapor d'água.
"É um veículo elétrico, mas com uma série de vantagens em relação ao veículo puramente elétrico. A principal é que você tem o reabastecimento em cinco minutos, e uma autonomia de mais de 600 quilômetros, enquanto um elétrico demora oito horas num carregador convencional", diz.
Outro diferencial é o peso. Veículos com células de combustível precisam de 25% da quantidade de baterias que um puramente elétrico.
"Quando passamos isso para os ônibus é uma grande vantagem. Um ônibus puramente elétrico, para ter uma autonomia de 250 quilômetros, precisa ter mais de uma tonelada em baterias, enquanto um ônibus movido a célula de hidrogênio necessita de um quarto desse peso", afirma Meneghini.
Ao longo do funcionamento da estação experimental, os pesquisadores vão validar os cálculos sobre as emissões e custos do processo de produção.
A segunda fase do projeto prevê a criação de uma planta de maior capacidade para aplicações do hidrogênio na produção de aço e outros fins industriais.
"O ponto-chave neste projeto é usar o etanol como vetor para transportar o hidrogênio, usando a logística que já existe hoje no país, diz Meneghini.