Análise
Sete em cada dez vítimas de traumas graves atendidas em hospitais com serviços de emergência são motociclistas, sendo que a maioria (53%) utiliza a moto para o trabalho.
É o que mostra um levantamento inédito da SBOT (Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia) feito em 45 instituições de saúde que atendem ao SUS (Sistema Único de Saúde). Esses traumas respondem hoje por 66% dos atendimentos ortopédicos que chegam a esses serviços.
A pesquisa mostra que 40% das fraturas são fechadas (o osso não fica exposto), e demandam um tempo de internação de até uma semana. Para fraturas expostas, que respondem por 18% dos traumas, esse tempo varia entre 8 e 15 dias.
Já os pacientes com politraumas (várias fraturas), que representam 10% do total, podem permanecer por mais de 14 dias internados e frequentemente precisam de cuidados de terapia intensiva.
As sequelas mais graves incluem perda permanente de mobilidade (8%) e amputações (3%), além de dor crônica em 39% dos casos.
"Isso é gravíssimo, uma situação que vai marcar a vida dessas pessoas para sempre", afirma o ortopedista Fernando Baldy dos Reis, presidente da SBOT.
Segundo boletim epidemiológico do Ministério da Saúde, entre 2011 e 2021, a taxa de internações de motociclistas subiu 55%, indo de 3,9 para 6,1 por 10 mil habitantes, com custo de R$ 167 milhões, apenas em 2021.
Baldy também chama a atenção para falhas de coordenação no atendimento de vítimas de traumas. Muitas vezes, as ambulâncias levam o acidentado para o hospital mais próximo e não para aquele especializado em traumatologia. Sem atendimento adequado, há um risco maior de sequelas e de mortes.
A alta demanda causada pelos acidentes sobrecarrega ainda mais os hospitais públicos já superlotados e subfinanciados, segundo a SBOT.
"São pacientes que ficam uma, duas semanas internados e são submetidos a várias cirurgias. São cirurgias caras, que utilizam pinos, hastes, placas e parafusos. É extremamente caro para o sistema de saúde. Isso sem contar os custos pessoais, como afastamento do trabalho ou até perda da condição laborativa", explica o médico.
São pacientes que ficam uma, duas semanas internados e são submetidos a várias cirurgias. São cirurgias caras, que utilizam pinos, hastes, placas e parafusos. É extremamente caro para o sistema de saúde. Isso sem contar os custos pessoais, como afastamento do trabalho ou até perda da condição laborativa
médico e presidente da Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia
O levantamento mostra que 47% das instituições ouvidas relatam déficit de equipamentos, materiais e profissionais. Essa sobrecarga também traz impactos diretos nos atendimentos eletivos e no tempo de espera para consultas e cirurgias.
"Praticamente 70%, 80% dos leitos hospitalares são ocupados por esse cenário catastrófico das emergências, em especial, os acidentes de trânsito com motos. Isso agrava a situação das cirurgias eletivas. As filas [de espera] são de anos", diz o médico.
Entre os mil motociclistas acidentados entrevistados no estudo da SBOT, 26,2% declaram pilotar sem habilitação. Mais de um terço (38,9%) admite cometer infrações no trânsito, como trafegar entre veículos, e 6,8% relatam ter sofrido acidentes nos últimos dois anos.
Para Baldy, o país deveria se inspirar em países como o Canadá e os Estados Unidos em que a pessoa não pode comprar uma motocicleta se não estiver habilitada. "Fazer um movimento nesse sentido já melhoraria bastante o aspecto de segurança."
Segundo o levantamento, a grande maioria (92%) dos motociclistas afirma usar capacete regularmente. "O capacete previne o dano encefálico, muitas vezes evita a morte na cena do acidente. Mas não previne as fraturas expostas, as fraturas de membros, que é o que mais impacta no sistema de saúde", diz Baldy.
De acordo com o boletim do Ministério da Saúde, embora a taxa de mortalidade de motociclistas tenha permanecido estável entre 2011 e 2021 (5,8 e 5,7 por 100 mil habitantes), a proporção os óbitos do total das mortes no trânsito aumentou, passando de 26,6% para 35,3%.
O perfil dos motociclistas mortos são homens (88,1%), negros (64,9%), de baixa escolaridade com 8 a 11 anos de estudo (39,6%) e jovens, com idade entre 20 e 29 anos (30,8%).
Para a SBOT, esses dados reforçam a necessidade de medidas urgentes, como campanhas de conscientização e maior fiscalização no trânsito, envolvendo diversos setores. O tema será debatido durante o congresso brasileiro da SBOT, que acontece entre 14 e 16 de novembro no Rio de Janeiro.
O evento também será palco para apresentações de inovações tecnológicas utilizadas para reduzir custos, filas e aprimorar o tratamento dessas vítimas.
O projeto Saúde Pública tem apoio da Umane, associação civil que tem como objetivo auxiliar iniciativas voltadas à promoção da saúde.
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