A MP (medida provisória) 1.063, que libera postos para comprar etanol direto da usina ou gasolina de outras marcas já ganhou na Câmara 73 emendas, algumas que fogem do tema da proposta do Executivo, os chamados jabutis.
Alguns dos temas de emendas já são debatidos no Congresso por outros projetos de lei, como a implantação de subsídio na compra de gás para famílias de baixa renda ou a criação de um fundo de estabilização dos preços dos combustíveis.
Proibida no país desde os choques de petróleo dos anos 1970, a fabricação de veículos leves a diesel é tema de emendas apresentadas pelo deputado federal Kim Kataguiri (DEM-SP) e Adriana Vantura (Novo-SP), sob o argumento de que pode ajudar a reduzir o preço dos combustíveis.
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"Diversos países usam o diesel para veículos de passeio, inclusive por conta de questões ambientais", defende o deputado. "Ademais, a autorização para o uso do diesel pode tornar o combustível mais barato, aliviando a presente crise inflacionária."
O setor de combustíveis é contrário à ideia, alegando que o Brasil ainda é importador de óleo diesel e a popularização de veículos com esse combustível poderia ter impacto na balança comercial. Além disso, pela sua importância no transporte de cargas, o diesel tem carga tributária bem inferior à da gasolina.
Em outras emendas, Kataguiri e Ventura também propõem a permissão para que postos tenham bombas automáticas para atendimento self service. Ele defende que, sem o custo dos frentistas, os preços poderiam ser menores.
"Em supermercados, bancos, restaurantes, cinemas, companhias aéreas, etc., é possível o auto atendimento. Por que seria diferente com o setor de combustíveis?", questiona Ventura. "O Brasil está décadas atrasado na área. As bombas de autosserviço são utilizadas em todos os países desenvolvidos."
A permissão para o delivery de combustíveis, tema que hoje é debatido na ANP, é defendida pelo deputado Felipe Rigoni (PSB-ES). Atualmente, a agência vem acompanhando operações em fase de testes, antes de dar um parecer final sobre o modelo.
"A ampliação das operações empresariais relativas aos combustíveis é intimamente conectada à incrementação concorrencial do setor", diz o deputado, defendendo que a medida garantirá "inovador serviço ao consumidor".
Já o senador Chico Rodriques (DEM-RR) pede isenção de impostos federais para a compra de combustível por companhias aéreas, alegando que o setor enfrenta "a pior crise da história" provocada pela redução da demanda durante a pandemia.
"Segundo estimativas do Governo Federal, adotado o incentivo, cerca de R$ 250 milhões ao ano deixariam de ser arrecadados com as contribuições federais", diz. "Entretanto, a medida é urgente e necessária para evitar um desmonte maior do setor, tão relevante para a economia e a sociedade."
A aviação agrícola também é tema de uma emenda, do deputado Jerônimo Goergen (PP-RS), que quer que o segmento tenha direito de comprar etanol diretamente das usinas, defendendo que a medida "repercute no custo final da produção agrícola nacional".
A maior parte das emendas trata de questões tributárias em relação à venda direta de etanol, concentrando a cobrança de impostos federais sobre os produtores, em um modelo chamado monofasia, que já vinha sendo discutido pelo Congresso.
O deputado José Neto (Podemos-GO) vai além e tenta legislar sobre impostos estaduais, propondo a unificação das alíquotas de ICMS sobre os combustíveis em 17% para a gasolina e 10% para diesel e etanol, com u prazo de dois anos para cumprimento da meta.
O tema é alvo de divergências entre o governo federal e os estaduais, que têm nos combustíveis um importante foco de arrecadação e alegam preferir discutir a carga tributária sobre o setor no âmbito da reforma tributária.
Toda vez que tem projeto de lei e medida provisória, muita gente aproveita para colocar jabuti, é um risco sempre que está transitando projeto no Legislativo", diz a diretora de Downstream do IBP (Instituto Brasileiro do Petróleo), Valéria Lima.
Embora diga que todas as propostas devam ser acompanhadas, ela vê poucas chances de que as menos afeitas ao tema da MP evoluam. O próprio IBP patrocina emendas ao texto, mas tentando derrubar a possibilidade de que postos comprem combustíveis de outras marcas.
O instituto alega que, além de se tratar de uma relação contratual entre postos e distribuidoras, o decreto que regulamentou a medida não resolve questões de defesa do consumidor geradas pela proposta, como a garantia de que o consumidor será informado sobre qual produto está comprando.
Além disso, não trata de uma questão vista como fundamental para o setor: a segregação dos tanques de armazenamento por origem do combustível. "O consumidor entra num posto que tem a marca tal, como vai saber qual produto está na bomba?", questiona.
Nesta segunda (13), o presidente Jair Bolsonaro editou nova medida provisória antecipando o prazo de vigência das propostas da MP dos combustíveis, que havia dado 90 dias para estados organizarem a parte tributária e ANP estabelecer regras.
A nova MP, de número 1.069, veio junto com decreto estabelecendo alguns critérios para a venda de combustíveis de outras marcas e, mais uma vez, foi vista pelo mercado como um atropelo ao papel do órgão regulador.
"Sem o devido aprofundamento técnico da matéria e dos impactos no setor, a MP 1069/21 antecipa o processo de revisão do marco regulatório da revenda, que vem sendo conduzido pela ANP, órgão competente para regular o mercado de combustíveis no país", disse o IBP.
Em conjunto com a Fecombustíveis (Federação Nacional do Comércio Varejista de Combustíveis e Lubrificantes), o IBP divulgou nota nesta segunda (20) afirmando que as medidas não devem resultar em redução do preço dos combustíveis.
No caso da venda direta de etanol, diz, as margens de distribuidoras são reduzidas e eventuais ganhos seriam engolidos por aumento de custos dos postos para buscar o produto. Já em relação à venda de combustíveis de outras marcas, as entidades alegam que 47% dos postos brasileiros já são livres para escolher o fornecedor e a medida não alteraria a dinâmica do mercado.
"Neste sentido, as medidas provisórias não trarão a redução esperada nos preços nem aumento da concorrência e, sim, mais confusão ao setor e a possibilidade de agentes não idôneos enganarem consumidores", diz o texto.